A casa de Jesus (Marcos 2, 1-5) e as catástrofes no Brasil

24 de fevereiro de 2014

Nossa casa é como o coração, oferece-nos vida e liberdade)

(Côn. Manuel)

Sempre que somos interrogados pela nossa filiação, automaticamente, ocorre como conseqüência espontânea a pergunta: qual é seu endereço. Isso demonstra que o ser humano, por excelência, precisa de uma habitação, não só como referência, mas também como dignidade, provando sua completa existência e onde ser encontrado. Quem se habilita a ler a Sagrada Escritura, a Bíblia, encontra isso bem claro, não só para lhe oferecer algo honorífico, mas para dizer que a pessoa tem sua hombridade que o difere dos outros animais. Assim, a passagem de Marcos, capítulo 2 versículo 1 expressa essa verdade: “Alguns dias depois, Jesus tornou a entrar em Cafarnaum, e soube-se que ele estava em casa”. Edward Coke nos alenta: “Para cada um sua casa é o abrigo mais seguro”. Jesus estava no lugar onde poderia ser encontrado. Diz o texto Bíblico: “E tanta gente se aglomerou ali, que não havia mais lugar, nem sequer diante da porta” (Mc 2, 2). Para dar nobreza ao que é uma casa, Jesus se expressa, dizendo: “Quem ouve estas minas palavras e as põe em prática é como um homem sensato que construiu sua casa sobre a rocha”. (Mt 7, 24). Rocha aqui quer proclamar que a casa precisa ser construída num agregado natural formado de substâncias minerais ou mineralizadas, resultante de um processo geológico determinado, que constitui parte essencial da litosfera, nos assegura o dicionário Aurélio.

Diante das tragédias que estão assolando muitas partes do Brasil, aumentando de cada vez mais o numero de vitimas, uma pergunta inquieta a consciência e, sobretudo, a hombridade do ser humano. Onde estas casas estão ou foram construídas? Quem as fiscaliza? Que condições o terreno oferece? O inchaço das cidades faz com que as pessoas subam os morros, isso é verdade. Contudo, será que é só chegar e construir? Onde está a presença das autoridades? São perguntas pertinentes que precisam entrar nos parâmetros da consciência, dos sentimentos, construindo uma sólida segurança no coração de quem tem o direito e o poder. Fr. Raniero Cantalamessa, o pregador do Papa João Paulo II e agora de Sua Santidade o Papa Bento XVI, nos ajuda: “Todos sabiam, no tempo de Jesus, que era imprudente construir a casa sobre a areia, no fundo dos vales, ao invés de fazê-lo no alto da rocha. Depois de cada chuva abundante se forma, com efeito, quase de imediato, uma torrente que varre as casas que encontra à sua passagem”. Construir a casa sobre areia nos leva, hoje, aos nossos morros, vendo nossas casas simples e humildes alicerçadas numa falsa segurança. Jesus nos diz: “não sabeis nem o dia nem a hora em que o ladrão vem” (Mt 24, 36). Não se pode dar esperanças e certezas em coisas instáveis e aleatórias que se subtraem ao tempo e à sorte. Tais são: o dinheiro, o êxito, a saúde, como também a dignidade de uma moradia digna. A experiência coloca isso diante dos nossos olhos cada dia. Basta um pequeno coágulo no sangue, dizia o filósofo Pascal para que tudo se derrube. Nossa casa pode ser pequena e simples, mas é o nosso palácio, nos diz um autor desconhecido.

Uma pequena história chama nossa atenção. Um imperador chinês, interrogado sobre o que era o mais urgente para melhorar o mundo, respondeu sem duvidar: reformar as palavras! Queria dizer: devolver às palavras seu verdadeiro significado. Tinha razão. Há palavras que, pouco a pouco, foram esvaziadas completamente de seu significado original e cumuladas de um significado diametralmente oposto. Seu uso não pode mais que resultar prejudicial. É como pôr em uma garrafa de arsênico a etiqueta «digestivo efervescente»: alguém se envenenará nos diz Raniero Cantalamessa. Hoje se fala tanto em prédios, condomínios, câmeras de vigilância, reforço noturno e diurno. Onde estão as palavras certas para nos dirigir aos bairros de periferia, favelas, morros e tantos outros lugares onde lá também mora gente? Os Estados se dotaram de leis severíssimas contra os falsificadores de moedas, remédios e tantas outras coisas que fazem indignação no consumidor. Mas onde está o rigor na fiscalização de construções de casas sem nenhuma metodologia de segurança? Leon Tolstoi assevera com auto estima: “A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família”. Nossa casa pode ser simples, humilde ou um palácio, mas é como nos diz William Hazlitt: “Onde quer que nos sintamos em casa, estaremos à vontade”. Que o Brasil e o mundo não veja mais o que está vendo. Pensemos nisso.

Côn. Manuel Quitério de Azevedo

Professor do Seminário de Diamantina e da PUC – MG

Membro da Academia de Letras e Artes de Diamantina – MG

Fonte: entreredes.org.br