Jesus disse: “Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas,…” (Mc 16, 17). Ao estudarmos sobre os dons carismáticos ou dons efusos, geralmente iniciamos pelo dom de línguas.
Por que será? Por ser menos importante? Por ser o dom mais frequente aos que passam pela experiência do novo nascimento? Por ser um dom carismático que mais “aparece”? Ou por ser, segundo alguns, o mais “estranho” de todos eles? Sim e não.
Por certo, o dom de línguas não é menos importante, pois serve como uma porta, mas uma porta principal, que nos oferece acesso para os demais dons, justamente pelo caráter de abertura do coração que esse dom nos confere. Pode-se dizer que é uma porta baixa, baixíssima, e que só estará ao alcance para os que decidirem descer de seu intelectualismo formal, de sua postura adulta e racional, do apego a sua autoimagem. Isso, porque é preciso fazer-se criança para conversar com o Senhor. Eis aí o segredo para acolher o dom carismático das línguas: fazer-se criança, fazer-se pequeno. Todos nós somos chamados a estar com o Senhor, a ser um Amigo de Deus e falar com Ele “face a face” (Ex 3, 11). E ter um relacionamento de amizade com o Senhor deve ser a coisa mais importante em nossas vidas: “… no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada” (Lc 10, 42).
Nessa premissa, esse dom se faz grande, valioso e importante para a santificação dos fiéis, pois nos aprimora na intimidade com o Senhor, num diálogo filial em que o próprio Espírito Santo vem orar em nós. “Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza: porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos, segundo Deus” (Rm 8, 26-27). “Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito” (I Cor 14, 2). “Ora, o Espírito orando no homem será pouca coisa?” (Encarte da Revista Renovação N.55).
Pode-se dizer que os capítulos 12, 13 e 14 da primeira Carta de São Paulo aos Coríntios se constituem num minucioso tratado de Paulo sobre os dons carismáticos. Todo dom de Deus é uma dádiva, um presente que nos é dado para benefício próprio ou para o bem da comunidade, ou seja, para a edificação de todos. No caso do dom das línguas, de forma especialíssima, um dom de oração, de adoração, dom particular.
O Catecismo da Igreja Católica, no número 2013, ensina: as graças especiais, também chamadas carismas, segundo o termo grego empregado por São Paulo e que significa favor, dom gratuito, benefício. Qualquer que seja o seu carácter, por vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas estão ordenados para a graça santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja. Estão ao serviço da caridade que edifica a Igreja.
Paulo, em I Cor 14, 4 nos orienta: “Aquele que fala em línguas edifica-se a si mesmo”. Esse edificar-se pode ser entendido por “construir, induzir ao bem e à virtude”. Dessa forma, o próprio apóstolo nos aponta um benefício pessoal do dom de línguas que pode ser comparado ainda a uma ferramenta do Espírito Santo de Deus que, sem cessar, trabalha na obra de santificação de cada fiel. De forma alguma podemos abdicar de tamanha graça, seja em nossa oração individual, seja orando em reunião com os irmãos.
“… a oração em línguas, de caráter usualmente particular, pessoal, e que, portanto não requer interpretação. Embora de caráter pessoal, ela pode ser exercitada também de modo coletivo, o que acontece nas assembleias onde todos exercem o “dom particular de orar em línguas”, ao mesmo tempo; obviamente, não supõe interpretação. No entanto, Deus – que ouve a oração que milhares de fiéis lhe dirigem concomitantemente de todos os cantos da Terra – por certo entende”.
Nas reuniões dos Grupos de Oração da Renovação Carismática Católica o exercício dos dons carismáticos deve acontecer de forma natural, haja vista ser sua prática um dos pilares no qual se assenta a identidade do Movimento. Os dons, quando exercidos pelos participantes e servos que conduzem a reunião de oração, liberam cura, restauração e libertação. A assembleia é edificada, cresce na fé e santidade.
Para que a reunião de oração seja autenticamente carismática, os servos e demais participantes entram no que costumamos chamar de “Ciclo Carismático”, um momento de grande graça, em que todos são mergulhados no Espírito Santo e, através da escuta profética, o Senhor fala com seu povo. Por certo, o ciclo carismático é iniciado desde que o participante adentra no recinto da reunião de oração, pois a acolhida fraterna dos irmãos traz conforto e alegria, portanto, ali Deus já pode se manifestar se assim o quiser, pois a iniciativa de falar ao seu povo, de tocar os corações é sempre d’Ele e para isso, pode fazer uso dos mais diversos meios e momentos. Todavia, uma sequência de cantos, orações e louvores, ajudará a assembleia reunida a abrir-se à graça derramada, libertando-se de seus fardos e misérias. A oração em línguas surge, por conseguinte, como um auxílio do próprio Espírito Santo que vem em ajuda à falta de palavras em vernáculo para se orar. A oração em línguas e o canto em línguas com fins de glorificação do Senhor, seguido pelo silêncio (silêncio esse tão necessário), ajudam a tornar o ambiente oracional fecundo para a manifestação dos demais dons carismáticos. Os participantes ficam como que na expectativa de se ouvir o Senhor que poderá se manifestar por meio do dom carismático da palavra de ciência, de profecia, de cura, sabedoria e de outros.
João Paulo II, agora São João Paulo II, com suaDominum et Vivificantem, e a inspirada exortação pronunciada na celebração de Pentecostes de 29 de maio de 2004, dizia: “Desejo que a espiritualidade de Pentecostes se difunda na Igreja como um impulso renovado de oração, santidade, comunhão e anúncio. […] Abram-se com docilidade aos dons do Espírito Santo! Recebam com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não cessa de oferecer!”
Ressalta-se que se Deus sempre agracia seu povo, caberá a cada servo que faz parte do núcleo de serviço e dos demais ministérios buscar uma vida consagrada, submissão ao Espírito Santo de Deus e intimidade com Ele por uma vida pessoal de oração cotidiana. Torna-se relevante também conhecer e aprofundar-se acerca dos dons carismáticos através de uma formação sólida! Mesmo sabendo de antemão que é de Deus sempre a iniciativa, não se pode deixar de considerar o caráter de colaboração do servo dirigente da reunião e dos demais servos nesse processo de condução da oração, de escuta e exercício dos dons. Todos eles precisam estar cheios de Deus e vazios de si, para serem usados pelo Espírito Santo.
Eloisa Elena Noé
Ministério de Intercessão – RCC MG
Fonte: RCC Brasil.